Leonardo Sakamoto
UOL, 27/10/2014
Dilma Rousseff não ganhou o segundo turno por conta de João Santana. A
atuação de Lula, que segue sendo o grande eleitor do país, foi
fundamental, mas outro elemento se mostrou determinante: a militância.
Petistas ou pessoas que não são ligadas ao partido, mas defendem
bandeiras de esquerda e enxergavam na continuidade do mandato uma
possibilidade maior de diálogo para essas pautas, levaram, junto com
organizações e movimentos sociais, a campanha ao espaço público e às
redes sociais. Conquistaram votos como o PT fazia antigamente antes do
partido se apegar demais ao poder e se apaixonar pelo reflexo no
espelho.
O governo reeleito sabe disso. Dilma citou isso em seu discurso de
vitória. Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da
Presidência da República, exaltou o papel dessa militância em entrevista
a Josias de Sousa, Mario Magalhães e a mim, no UOL, neste domingo (26).
A partir de agora, como Dilma tratará esses grupos será definidor do
seu próximo mandato.
Porque essa militância histórica que defendia bandeiras ligadas à
efetivação dos direitos humanos e os movimentos sociais foram, por
vezes, ignorados ou nem mesmo atendidos nos últimos quatro anos.
Parlamentares representantes do agronegócio, por exemplo, tomaram litros
de cafezinho com bolinhos transgênicos com Dilma, enquanto lideranças
indígenas eram atendidas apenas por alguns ministros.
A grande pergunta é: o governo dará o devido valor a esses grupos,
empoderando alas do próprio governo que já tentam pautar esses temas na
agenda e atendendo às reivindicações ou continuará levando-os em
banho-maria ou ignorando-os em nome da governabilidade – uma palavra tão
vazia quanto casuísmo, oportunismo e hipocrisia?
Menos da metade das terras indígenas foram regularizadas e, pelo
menos 30 delas, estão com processo pronto, mofando em cima da mesa
enquanto esperam a canetada presidencial.
A reforma agrária parou – o que vemos é um simulacro que obedece mais
ao calendário eleitoral do que a necessidade de trabalhadores rurais.
O governo não tem conversado devidamente com comunidades tradicionais
e, tendo Belo Monte como laboratório, planeja alterar para sempre o
ecossistema do rio Tapajós com um rosário de usinas sem entender e ouvir
quem mora por lá.
Ao atender aos pedidos de movimentos sociais apenas em momentos de
pressão (pré-Copa e eleições), o governo federal evitou desenhar uma
política de moradia que não passe apenas pelo acesso ao financiamento,
mas promova uma verdadeira reforma urbana, tentando tirar da
Constituição a teoria da função social da propriedade.
Isso sem contar a inexistência de uma política decente de promoção da
diversidade e combate à homofobia, apesar dos reiterados pedidos dos
movimentos sociais.
Ou uma fuga louca do debate quando organizações sociais põem na mesa a ampliação dos direitos reprodutivos.
E uma subserviência completa, para a tristeza de sindicalistas
não-pelegos, quando o assunto é responsabilizar financiadoras de
campanhas, ops, empreiteiras, pelas péssimas condições dos operários da
construção civil.
Enfim, a lista é longa.
Gilberto Carvalho disse que o governo sabe que, a partir de 2 de
janeiro, esses militantes e esses movimentos sociais vão, com toda a
justiça, cobrar a fatura para ver essas pautas saindo do papel.
Caso o governo resolva mudar sua postura, quer dizer que o segundo
turno levou a uma guinada à esquerda. Isso não significa acirrar os
ânimos ou criar cisão. Desde quando um governo conciliador tem que ser
um governo que ignora os direitos fundamentais? Ou que não garante
serviços públicos de qualidade e não promove uma boa reforma política?
Pelo contrário, seria um governo que garanta a todos e todas um quinhão
de dignidade há muito negado. Para os que votaram em Dilma, para os que
votaram em Aécio.
Muita gente que tem experiência em Brasília duvida disso e diz que
Dilma colocará a culpa no Parlamento, mais conservador. Mas a questão
para esses movimentos e essa militância não é o governo federal tentar e
conseguir pouco e sim nem tentar.
Mas o ministro Gilberto está enganado. Não é a partir do início do
ano que vem que essa pressão vai acontecer. Encontrei-me, neste domingo,
com Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST),
que é a liderança do principal movimento social deste país hoje em
termos de centralidade da pauta, mobilização e visão de atuação na minha
opinião. Um movimento com uma pauta antiga, mas que sabe se comunicar e
influenciar a disputa simbólica da narrativa, pela mídia, pelas redes
sociais, de uma forma nova. Também conversei com lideranças LGBTT e
indígenas ao longo do dia de ontem.
A pressão começa agora.
No hay comentarios:
Publicar un comentario