domingo, 6 de noviembre de 2011

Moçambique: “O menino bonito” da Vale. Entrevista especial com Jeremias Vunjanhe

Moçambique: “O menino bonito” da Vale. Entrevista especial com Jeremias Vunjanhe

“Trabalhadores e populares denuncia a violação da lei do trabalho moçambicana e o desrespeito da Vale com os mais elementares direitos humanos”, aponta o jornalista moçambicano.

Confira a entrevista.

Instalada em Moçambique desde 2004, a mineradora brasileira Vale tem causado polêmica entre os trabalhadores, ambientalistas e ativistas moçambicanos ao explorar minério na bacia carbonífera de Moatize, “uma das maiores reservas de carvão mineral não exploradas do mundo”, conforme informação do jornalista Jeremias Vunjanhe, que concedeu esta entrevista à IHU On-Line por e-mail.

Assessor da Justiça Ambiental/Amigos da Terra Moçambique, Vunjanhe denuncia com frequência os impactos ambientais da ação da multinacional brasileira no continente africano e a precarização das condições de trabalho enfrentadas pelos funcionários da empresa. Segundo ele, em 2007, a Vale assinou um contrato com o governo moçambicano, garantindo sua permanência no país até 2030 para explorar uma área de 23.780 hectares.

Sete anos após a instalação da empresa em Moçambique, Jeremias Vunjanhe conta que, juntamente com a Riversdale, os acionistas da instituição têm “se convertido em proprietários absolutos das unidades hoteleiras e restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província. A Vale está interferindo no funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se com maior relevância do que a maioria dos órgãos públicos locais como ator nos processos de decisões políticas, econômicas e sociais”. De acordo com ele, a situação social e econômica da sociedade piorou nos últimos cinco anos porque o crescimento econômico não está associado à criação de empregos e redução da pobreza.

Apesar de Moçambique ter conquistado a independência da dominação estrangeira há mais de 30 anos, Vunjanhe esclarece que a sociedade ainda convive com os reflexos da ditadura do partido único, “limitando totalmente os direitos e as liberdades fundamentais do seu povo”. Exemplos do passado são percebidos no presente a partir da atuação dos sindicatos, que possuem relações estreitas com o governo moçambicano. “Quase todos os sindicatos existentes no país, incluindo o dos trabalhadores da Vale, é controlado pelo governo e pelo partido Frelimo, que simultaneamente tem interesses empresariais no projeto da Vale em Moatize”, menciona.

Jeremias Vunjanhe é graduado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes – ECA da Universidade Eduardo Mondlane – UEM, de Moçambique e assessor de organizações de base comunitárias.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste o projeto da Vale em Moçambique? Há quanto tempo a empresa brasileira está atuando no país?

Jeremias Vunjanhe – O projeto da Vale Moçambique consiste na pesquisa, prospecção e exploração mineira na bacia carbonífera de Moatize, uma das maiores reservas de carvão mineral não exploradas do mundo e de elevadíssima qualidade, situada na província central de Tete, de Moçambique, a aproximadamente 1.700 km ao norte de Maputo, capital do país. O investimento inicial foi de 1,322 bilhões de dólares. A Vale Moçambique Ltda é um consórcio composto pela Vale, que detém 85% do projeto e por empresários moçambicanos que ainda não foram tornados públicos, os quais têm 15% de participação do empreendimento.

A Vale, através da sua subsidiária Vale Moçambique, está presente em aqui desde novembro de 2004, depois de ter sido escolhida pelo governo por meio de um concurso internacional aberto para adjudicação das minas de carvão de Moatize no âmbito do Plano do Gabinete de Desenvolvimento do Vale do Zambeze. Em junho de 2007, a Vale assinou um contrato mineiro com o governo moçambicano até 2030, renovável por igual período e obteve uma concessão mineira numa área de 23.780 hectares. O projeto de exploração da mina de carvão de Moatize concedido à Vale é desenvolvido a céu aberto. Na fase de plena exploração, a capacidade da mina da Vale vai atingir cerca de 26 milhões de toneladas de carvão bruto, que, depois do respectivo tratamento, vai obter-se cerca de 11 milhões de toneladas de carvão metalúrgico e carvão energético, dos quais 8,5 milhões de toneladas (Mtpa) de carvão metalúrgico – hard coking coal – e 2,5 Mtpa de carvão térmico. O restante carvão remanescente do processo de tratamento do carvão bruto tem um teor de cinzas demasiado elevado para poder ser comercializado. Então, a Vale pretende utilizá-lo numa central térmica de 2600MW a ser instalada em Moatize, a qual tem um investimento estimado em 2 bilhões de dólares.

No contrato mineiro foram concedidos benefícios fiscais ao abrigo do Código de Benefícios Fiscais (Decreto 16/2002) em vigor antes da nova legislação fiscal mineira aprovada em julho de 2007. Eles foram considerados prejudiciais para a economia e para o desenvolvimento do país por muitos setores da sociedade moçambicana. Desde setembro de 2010, a Vale optou por comprar uma participação de 51% na sociedade de Desenvolvimento do Corredor do Norte – SDCN por 21 milhões dólares e está realizando um estudo de impacto ambiental para a exploração de uma mina de fosfato na Província de Nampula, norte de Moçambique.

IHU On-Line – Como você vê a instalação da Vale em Moçambique? Por que afirma que se inicia um “novo ciclo de escravatura com a conivência dos dirigentes” no país?

Jeremias Vunjanhe – Como cidadão moçambicano, vejo o processo de instalação da Vale em Moçambique com muita preocupação, perplexidade e indignação. Aparentemente, a Vale seguiu formalmente todos os procedimentos exigidos por lei para dar início ao processo de instalação e obtenção da concessão do projeto de carvão de Moatize. Dada a sua capacidade de propaganda, a instalação da Vale aqui foi vista como promissora e despertou muitas expectativas no povo moçambicano, esperançados por oportunidades de emprego e de desenvolvimento do país. Porém, muito rapidamente a instalação da Vale Moçambique converteu-se num dos mais bem sucedidos processos de transformação do país numa plataforma privilegiada para a realização dos interesses capitalistas excludentes e alheios aos moçambicanos dos grandes grupos empresariais e países do centro e emergentes.

Através de critérios não transparentes e razões desconhecidas, a Vale venceu, em novembro de 2004, o concurso internacional lançado pelo governo moçambicano e iniciou a expansão do seu império no centro e no norte do país disputando a acirrada corrida das multinacionais entre si e com as comunidades pela posse e controle de terra de Tete e Moatize com vista a partilhar as riquíssimas reservas minerais desta região e, logo, por divergências e contestação pelas comunidades afetadas.

Gestão dos interesses nacionais

A presença da Vale Moçambique constitui também um teste na gestão e condução dos interesses nacionais e as opções que são propostas e tomadas para o país. Num processo pouco transparente, a Vale tem se tornado um proprietário absoluto das reservas carboníferas de Moatize e sobre elas tem estruturado a sua hegemonia, expansão e internacionalização. A velocidade com que as riquezas minerais de Moatize se revelaram ao mundo não evitou que a Vale reformulasse a sua estratégia comercial, domínio, controle e aplicação do mesmo modelo de escoamento de recursos em todos os cantos do mundo através da criação de corredores logísticos e sistemas de transportes para escoamento e implantação de um parque industrial que lhe permite total independência e autonomia nos seus negócios e exclusividade na gestão dos ativos, mercado e vendas do carvão de Moatize e de ferro de Evate, repetindo os mesmos impactos de devastação e destruição de territórios das comunidades.

No plano político, é indisfarçável a grande hegemonia exercida pela Vale nos corredores políticos de Tete e de Maputo, que a par da Riversdale (outra mineradora de capitais australiana recentemente comprada pela Rio Tinto) se tornaram majoritárias e dominantes, manipulando as consciências da população e aproveitando da conivência e submissão de alguns setores do Estado. Na cidade de Tete e em Moatize, a Vale e a Riversdale têm se convertido em proprietários absolutos das unidades hoteleiras e restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província, por sua importância econômica no investimento nacional e pelo seu expressivo peso na política externa do Brasil e nas relações externas com Moçambique. A Vale está interferindo no funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se com maior relevância do que a maioria dos órgãos públicos locais como ator nos processos de decisões políticas, econômicas e sociais.

As instituições do governo de Tete parecem estar perdendo o controle do barco. Aliás, a grande questão que se levanta neste momento é saber até que ponto as autoridades governamentais de Tete e de Moatize conseguirão acompanhar os gigantescos passos das multinacionais, entre as quais a Vale que de pouco em pouco toma conta dos destinos não só desta região central do país, mas de todo Moçambique.

IHU On-Line – Qual é o perfil dos trabalhadores que atuam na Vale Moçambique?

Jeremias Vunjanhe – As informações relativas ao setor do projeto da Vale Moçambique Ltda são muito escassas. Como deve imaginar, a Vale é uma empresa muito fechada e não permite o acesso à informação. Contudo, sabe-se que o perfil dos trabalhadores a serviço da empresa é diversificado e diferenciado desde a sua nacionalidade, passando pelas condições de trabalho e pelos salários. Na fase pré-operacional, concluída no primeiro semestre do presente ano, a Vale chegou a contratar técnicos elementares, técnicos médios, bacharéis, licenciados e doutores de variadas profissões e categorias entre guardas, pedreiros, eletricistas, operadores de máquinas, cozinheiros, engenheiros, médicos, geólogos, motoristas, mecânicos, etc. Atualmente, com o início da fase de exploração do carvão, muitos funcionários de baixa qualificação e formação profissional foram despedidos. As demissões geraram reivindicações dos trabalhadores.

IHU On-Line – Qual é a situação de trabalho dos moçambicanos que atuam na Vale? Por que eles ameaçam fazer greve na empresa? O que eles reivindicam?

Jeremias Vunjanhe – A situação de trabalho dos moçambicanos que atuam na Vale é extremamente desigual. Há grupo de moçambicanos recrutados em Maputo e, por outro lado, os filhos de dirigentes políticos e governantes estão na capital de Moçambique. Eles possuem um grau de instrução superior àqueles que têm uma situação de trabalho considerada muito boa e que aufere salários muito elevados à semelhança dos trabalhadores brasileiros e outros estrangeiros. Entretanto, a maioria dos trabalhadores com pouca instrução e experiência profissional encontra-se numa situação extremamente precária e com salários muito baixos. Várias são as denúncias feitas por trabalhadores e populares sobre a violação da lei do trabalho moçambicana e o desrespeito da Vale com os mais elementares direitos humanos. Há também relatos de expulsões arbitrárias e sem justa causa.

Trabalhadores afetados pelo projeto da Vale, com quem tive a oportunidade de conversar, relatam que o ambiente de tensão e a onda de descontentamentos no seio dos trabalhadores, que marcou os dias que precederam a circulação do primeiro comboio carregado de 2700 toneladas de carvão mineral de Moatize, continuam e são extensivos a quase todas as empresas contratadas pela Vale para a prestação de serviços em diversos setores. Essa situação resulta da continuada atitude de arrogância, falta de diálogo e da inobservância dos direitos dos trabalhadores por parte dos responsáveis do projeto com a conivência de setores importantes do governo de Moçambique.

Os trabalhadores reivindicam também as demissões em massa e sem justa indenização, baixos salários e condições de trabalho. A Vale mantém com muitos dos trabalhadores um vínculo contratual precário e de curta duração, pondo os numa situação de constante insegurança.

A Vale tem desrespeitado os direitos dos trabalhadores e não tem honrado suas promessas de progressão na carreira profissional. Trabalhadores queixam-se de serem forçados a refeições que lhes provocam alergias e dores no estômago e denunciam os descontos injustos a que são submetidos para o pagamento das refeições.

IHU On-Line – Como os sindicatos da categoria se posicionam diante da possibilidade de greve por parte dos trabalhadores e diante das reivindicações?

Jeremias Vunjanhe – Moçambique nasceu dos escombros da dominação colonial estrangeira, e, após a Proclamação da Independência, em 1975, o país adotou unilateralmente o regime comunista e a ditadura do partido único, limitando totalmente os direitos e as liberdades fundamentais do seu povo. Durante 15 anos até 1990, os sindicatos eram partes integrantes das organizações de massas ao serviço da ditadura de partido único. Atualmente, 20 anos depois da instauração de um Estado de Direito democrático, os sindicatos continuam impregnados por uma forte herança do comunismo e mantêm a cultura de lealdade ao governo e ao partido que está no poder (Frente de Libertação de Moçambique – Frelimo). E, por assim dizer, quase todos os sindicatos existentes no país, incluindo o dos trabalhadores da Vale, é controlado pelo governo e pelo partido Frelimo, que simultaneamente tem interesses empresariais no projeto da Vale em Moatize.

No caso em apreço, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Construção Civil, Madeiras e Minas de Moçambique – Sinticim, que lida com a possibilidade de greve e das reivindicações dos trabalhadores da Vale, é financiado e controlado pela Vale e como tal pouco ou quase nada faz para defender os direitos dos trabalhadores. Aliás, o Sinticim é acusado pelos trabalhadores de estar a reboque dos interesses da Vale e de prejudicar os trabalhadores porque serve como espião da empresa.

Neste momento,em conversa com um dos líderes do Sinticim, soube que a Vale negociou com os trabalhadores e que chegaram a um acordo para evitar a greve. Por outro lado, o recurso à intervenção de forças especiais da Polícia da República de Moçambique – PRM é frequente da parte da Vale e do governo local, para persuadir e reprimir os trabalhadores que se manifestarem.

IHU On-Line – Como descreve a situação econômica e social dos moçambicanos? Há diferenças regionais entre Sul, Norte e Centro, como ocorre no Brasil?

Jeremias Vunjanhe – Sem sombras de dúvida, Moçambique apresenta diferenças regionais entre Sul, Centro e Norte como ocorre no Brasil. Entretanto, o caso moçambicano é espectacularmente singular e escandaloso. As diferenças regionais entre o Sul, Centro e Norte são abismais. A cada dia que passa, acentuam-se a uma velocidade de “avestruz’. Apesar da maior parte da riqueza do país situar-se nas regiões Centro e Norte, elas são as mais pobres comparativamente com o Sul, onde está a capital Maputo, hospedeira de todo o poder político e econômico.

Segundo Paula Carvalho e Lara Wemans (2008), “a economia moçambicana continua a ser considerada pelos observadores internacionais como um caso de sucesso em países com experiências recentes de guerra. A adequada implementação de políticas de estabilização e o sucesso na pacificação do território têm sido os principais responsáveis pelo bom desempenho da economia. Adicionalmente, as entradas de investimento estrangeiro direcionado a grandes projetos de investimento e as ajudas dos doadores internacionais continuam a desempenhar um papel para o enquadramento favorável que tem caracterizado o país”.

Desenvolvimento insustentável

Todavia, estes projetos de avultados beneficiam prioritariamente aos acionistas das respectivas empresas transnacionais, as quais se apropriam da terra, dos recursos naturais, da natureza e destroem a vida de pessoas, animais e ecossistemas em nome do “desenvolvimento” e do lucro, forçando injustamente o reassentamento de muitas comunidades sem garantir a canalização dos devidos benefícios compensatórios e indenizações. Um dos maiores projetos de investimento no país é o projeto de carvão mineral de Moatize desenvolvido pela Vale Moçambique Ltda.

Paradoxalmente, nesta última década Moçambique é um dos países do mundo que mais contribui com o desenvolvimento. É conhecido como “o menino bonito” dos doadores internacionais, para recorrer à expressão do jornalista e acadêmico Joseph Hanlon. Na verdade, informações oficiais revelam que a situação social e econômica dos moçambicanos piorou nos últimos cinco anos. Segundo dados publicados no Relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares de 2011, “há também a preocupação de que o crescimento econômico não tem estado associado a uma significativa criação de emprego e redução da pobreza. O país enfrenta um grande e crescente desemprego, particularmente entre os jovens”. O Marp, uma iniciativa africana de avaliação do progresso dos países do continente, acrescenta ainda que uma outra fonte de preocupação é o aumento da desigualdade nos rendimentos. Moçambique não tem sido capaz de tratar o problema da crescente desigualdade de rendimento (dentro e entre as regiões, e entre as zonas urbanas e rurais). As desigualdades não são só evidentes em relação ao rendimento, mas também em relação a outros serviços básicos como saúde e educação.

As elevadas desigualdades existentes na sociedade moçambicana e o aumento contínuo da pobreza, principalmente nas zonas rurais e nos bairros suburbanos das principais cidades moçambicanas, têm propiciado a existência de um permanente ambiente de instabilidade social e política, que se refletiu nas violentas manifestações populares registradas nos dias 1º, 2 e 3 de setembro de 2010, nas cidades de Maputo, Matola e Chimoio. O Inquérito de Trabalho Agrícola – TIA (2008) revelou que a maioria das famílias rurais (composta por um mínimo de cinco membros) tinha um ganho efetivo menor de trinta meticais (moeda local que vale menos de um dólar norte americano) por semana, e a maior parte estava mais pobre em 2008 do que em 2002. Cungura e Hanlon (2010) defendem que houve fracasso no processo de combate à pobreza em Moçambique, pois ela aumentou nos últimos anos. O CHR Michelsen Institute (2010) sustentou que a pobreza urbana, sobretudo na cidade de Maputo, está crescendo cada vez mais e há falta de recursos essenciais para a sobrevivência das populações.

IHU On-Line – Como a mídia se posiciona em Moçambique e que papel a imprensa representa diante da sociedade civil e das situações de desigualdade social?

Jeremias Vunjanhe – Apesar de Moçambique ter alcançado importantes progressos em matérias do direito dos cidadãos à informação e à liberdade de expressão e de imprensa – no ano de 2011 celebramos os 20 anos da lei de imprensa (Lei 18/91 de 10 de agosto) e da instauração do regime democrático –, a mídia em Moçambique ainda apresenta muitas fragilidades, condicionalismos e inúmeras dificuldades de caráter financeiro e material ligadas a sua própria sustentabilidade. Também enfrenta condicionantes políticos exercidos por alguns setores do governo desde a independência do país, em 1975. Por outro lado, poucos jornalistas têm formação universitária, e a sua maioria aufere baixos salários e enfrenta um ambiente muito fechado das instituições do Estado e dos grandes interesses empresariais.

Diante deste quadro institucional, o posicionamento da mídia em relação a muitos assuntos, particularmente ligados a grandes investimentos, é ambíguo e, até, de certa forma, de cumplicidade. Os mídias têm se convertidos em verdadeiros instrumentos de propaganda, anunciando que a Vale está trazendo “muitos benefícios” para Moatize,Tete e Moçambique como um todo, reproduzindo desse acriticamente e sem a devida investigação e imparcialidade os discursos e os comunicados de imprensa da Vale e de outros grupos empresariais.

Entretanto, é preciso reconhecer que, durante essas últimas duas décadas, há uma mudança significativa no setor dos mídias, particularmente aqueles considerados independentes do governo. Eles têm desenvolvido um trabalho extraordinário na cobertura e divulgação das agendas e demandas da sociedade civil, cobrando do governo mais vigor na solução dos problemas que o país enfrenta.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Jeremias Vunjanhe – O projeto de extração do carvão mineral de Moatize tem suscitado críticas e discussões envolvendo governo, ambientalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil em torno dos custos e benefícios econômicos, sociais e ambientais. O trabalho de monitoria da Justiça Ambiental/Amigos da Terra Moçambique permite concluir que o padrão vigente de implantação da Vale e consequentes processos de reassentamento, compensação e indenização das comunidades e investimentos sociais têm provocado, de maneira permanente, graves violações dos direitos humanos das comunidades. Há desrespeito dos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas consagradas na Constituição da República de Moçambique e demais legislação em vigor. A título de exemplo, a restrição da livre circulação e movimentação dos cidadãos das comunidades de Moatize, violando desse modo o n. 2 do Artigo 55 relativo à liberdade de residência e de circulação. Também há violação dos direitos à informação, à habitação adequada, ao trabalho e ao digno padrão de vida, às práticas e modos de vida tradicionais comunitários, bem como o acesso e preservação de patrimônios culturais materiais e imateriais.

Diante deste cenário, a Vale é uma empresa incapaz de respeitar os direitos das pessoas e de conviver com elas. É urgente acelerar o processo de fortalecimento dos povos e das comunidades afetadas pela ação danosa da Vale, denunciando-a amplamente, forjando resistências e alternativas locais coordenadas internacionalmente. O Brasil desempenha um papel estratégico nessa mobilização.

(Por Patricia Fachin)


(Tomado de Instituto Humanitas Unisinos)

O neocolonialismo brasileiro em Moçambique


A estrutura fundiária e as aquisições de terras por corporações estrangeiras em países africanos foi alvo de estudo da Organização das Nações Unidas.

O governo de Moçambique está cedendo o uso de 6 milhões de hectares - o que corresponde a dois terços de Portugal - para agricultores brasileiros plantarem soja, algodão e milho no norte do país - nas províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, centro. A ideia é aproveitar a experiência brasileira no cerrado, onde, a partir da década de 1960, a fronteira agrícola avançou rumo ao interior, com a pecuária extensiva e latifúndios de soja.

A reportagem é de Adelson Rafael e publicada pelo jornal moçambicano O País, 23-08-2011.

No Brasil, essa interiorização da atividade agropecuária custou a devastação de 80% do cerrado, que é reconhecido como a savana mais rica do mundo em biodiversidade. A degradação deste bioma, que ocupa um quarto do território brasileiro, vem soterrando e poluindo as principais bacias hidrográficas do país, localizadas justamente nessa região - que é considerada a caixa d’água do Brasil.

Com a oferta do governo moçambicano, a fronteira agrícola brasileira tem a perspectiva de atravessar o oceano Atlântico rumo à savana africana. Para o geógrafo Eli Alves Penha, autor do livro “Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico”, as “similaridades ecológicas e culturais” levam a um “encaixe ecológico” entre Brasil e o continente.

Em entrevista para a Editora da Universidade Federal da Bahia, Penha comenta, entre outros assuntos, a afirmação do especialista em agricultura do Quénia, Calistou Juma, que “para cada problema africano existe uma solução brasileira. “Eu diria que a recíproca também é verdadeira”, completa Penha.

O agronegócio brasileiro, baseado no esgotamento dos recursos naturais, agora vislumbra exportar o modelo insustentável de sementes geneticamente modificadas, manejo degradante do solo e latifúndios explorados às custas de um modelo falido de reforma agrária. Ainda em 2006, o site Repórter Brasil já apontava um novo caminho para a fronteira agrícola brasileira: a rápida degradação do solo é um exemplo (de perdas irreversíveis à região). De acordo relatório da Conservação Internacional, o plantio tradicional da soja, como é feito no Cerrado, causa a perda de cerca de 25 toneladas de solo por hectare ao ano. Caso fossem aplicadas técnicas de conservação, como a aragem mínima, o número poderia ser reduzido a 3 toneladas por ano.

Para Rosane Bastos (bióloga integrante da Rede Cerrado), a improdutividade pode impulsionar a destruição de outros ecossistemas: “se os grandes produtores ficarem sem solo, vão subir para a Amazónia”, prevê.

Não é de hoje que o governo do Moçambique espreita acordos para aumentar a produtividade agrícola, como reportou o “Global Voices” nos meses de janeiro e julho de 2010. Na ocasião, o site Repórter Brasil já anunciava a preocupação com as comunidades tradicionais de Moçambique: um dos requisitos do governo de Moçambique para a concessão das terras é o emprego de 90% de mão-de-obra nacional nas lavouras. Em pelo menos metade da área ofertada pelo governo aos brasileiros vivem camponeses em pequenas propriedades.

Moçambique é um dos 49 países mais empobrecidos do mundo, com 70% da população abaixo da linha da pobreza, e onde os agricultores têm grande dificuldade em aceder a crédito para a produção de comida.

A estrutura fundiária e as aquisições de terras por corporações estrangeiras em países africanos foi alvo de estudo da Organização das Nações Unidas, de acordo com texto da Fundação Verde.

O documento pontualiza que as aquisições (de modo geral feitas na África mediante contratos de aluguer de meio século ou um século inteiro pelo que nada se paga) podem constituir um benefício ao supor investimentos estrangeiros. Também pode acarrear atracção tecnológica, incremento da produtividade agrária e criação de emprego e de infra-estrutura. Mas, assim como estão sendo levados a cabo, com precárias consultas à população local, falta de transparência e sem garantir nos contratos os compromissos de investimento, emprego ou desenvolvimento de infra-estruturas, supõe colocar em risco o modo de vida de milhares de pequenos agricultores ou pastores, cuja existência depende da terra.

O neocolonialismo brasileiro em Moçambique certamente não contribuirá com o desenvolvimento socialmente justo deste país. Se, por um lado, o Brasil pode oferecer conhecimento técnico para o cultivo de sementes na savana africana, por outro o país tem a oferecer um modelo insustentável de agronegócio, baseado na monocultura, na degradação ambiental e na concentração de terras nas mãos de poucos.

O governo de Moçambique está oferecendo grandes extensões de terras baratas a agricultores brasileiros para o plantio de soja, milho e algodão, informou uma fonte oficial do país africano citada pelo jornal “Folha de S.Paulo”.

“Os agricultores brasileiros têm experiência acumulada que é muito bem-vinda. Queremos repetir em Moçambique o que fizeram no cerrado há 30 anos”, disse o ministro da Agricultura moçambicano, José Pacheco, em declarações ao jornal paulista.

Moçambique colocou à disposição do Brasil 6 milhões de hectares em quatro províncias do país, para explorá-las em regime de concessão por 50 anos, mediante o pagamento de imposto de R$ 21 ao ano por hectare, detalhou Pacheco.

As terras, cuja dimensão o jornal compara a “três estados do Sergipe” e afirma ser “a nova fronteira agrícola do Brasil”, situam-se nas províncias do Niassa, Cabo Delgado, Nampula (no norte) e da Zambézia (no centro) e destinam-se à produção de soja, milho e algodão.

Como contrapartida para uma concessão de 50 anos, renovável por igual período de tempo, os agricultores pagarão um imposto anual de cerca de 9,00 euros por hectare e deverão beneficiar de isenções de taxas na importação de maquinaria agrícola.

A condição imposta pelo governo moçambicano para oferecer as terras baratas é que seja contratada no país africano ao menos 90% da mão-de-obra.

Moçambique também vai dar outras facilidades aos brasileiros, como isenção de impostos para a importação de máquinas e equipamentos agrícolas.

O presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão, Carlos Ernesto Augustin, explicou à “Folha” que as terras moçambicanas são muito semelhantes às do interior do Brasil, com a vantagem do preço e da facilidade de obter licenças ambientais.

“Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terras de graça, sem tantos impedimentos ambientais, com o (custo) do frete à China muito mais barato (...) Hoje, além de terra estar caríssima no Mato Grosso, é impossível obter licença de desmatamento e limpeza de área”, declarou Augustin ao jornal.

A China é o principal cliente mundial da soja procedente do Brasil e um importante comprador de outros produtos agrícolas do país sul-americano.

Segundo a “Folha”, a primeira leva de 40 agricultores brasileiros vai viajar em setembro a Moçambique para implantar em terras das províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia.

Missão Moçambique

Profissionais da Embrapa Solos e Embrapa Monitoramento por Satélite (Campinas-SP) estiveram em Moçambique entre os dias 04 e 19 de junho. A viagem teve como objectivo a escolha e georeferenciação de uma área piloto com cerca de 750 km2, representativa das condições ambientais do Corredor de Nacala. Essa área, que será caracterizada em termos de solo (escala 1:100.000), clima e socioeconomia, servirá como pólo receptor e irradiador de tecnologias no âmbito do Projeto de Suporte Técnico à Plataforma de Inovação Agropecuária de Moçambique.

Os trabalhos de campo concentraram-se na região situada entre Nampula, sede da província homónima, e Lichinga, capital da província de Niassa, em especial no território dos distritos de Ribáuè, Malema, Cuamba e Mandimba. Essa região foi escolhida a partir da análise das informações obtidas na Carta Nacional de Solos do país africano, em escala 1:1.000.000 (1974), e no conhecimento prévio da região, obtido nas viagens realizadas na fase de elaboração do projeto.

A estratégia da equipa foi realizar visitas às sedes administrativas dos quatro distritos, onde foram contactados os directores distritais de agricultura, para exposição do trabalho pretendido e busca de informações sobre ocupação agrária, condições de infra-estruturas e organização das comunidades rurais, culturas preferenciais e práticas de manejo adoptadas. Foi muito útil a indicação de locais já reconhecidos, segundo a percepção de técnicos locais, como detentores de maior potencial para implantação de projectos de desenvolvimento agrícola, ou considerados prioritários pelos órgãos do governo ou ainda com maiores carências socioeconómicas. Com o levantamento dessas informações, buscou-se incorporar no processo de selecção da área piloto o conhecimento sobre a realidade local, bem como as expectativas e necessidades identificadas pelos responsáveis pelo planeamento das actividades económicas, como um importante respaldo à implementação de novas tecnologias e linhas de pesquisa agrícola.

A partir das informações levantadas, foram direccionados os trabalhos de reconhecimento de campo, de forma a
avaliar o potencial dos locais considerados prioritários, ao mesmo tempo em que se buscou realizar uma avaliação abrangente da disponibilidade dos recursos naturais para fins agrícolas da região, visando estabelecer os limites da área piloto. Também foi critério para a selecção da área piloto o potencial tanto para agricultura empresarial quanto familiar. Foram avaliadas as condições de acesso e viabilidade da inserção das comunidades no processo de desenvolvimento e introdução de novas tecnologias agrícolas.

Entre os dias 07 e 15 de junho, foram realizadas incursões pelos distritos de Ribáuè, Malema (província de Nampula), Cuamba, Mandimba e ainda Ngauma e Lichinga (província de Niassa), com observação e registo dos diversos aspectos do meio físico (relevo, vegetação e principalmente solos). No decorrer dos trabalhos, foram realizadas 45 observações de solos, devidamente georeferenciadas, ao longo de um deslocamento de aproximadamente 2 200 km.

Além dos trabalhos de campo, aconteceram várias visitas técnicas, como ao Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) em Maputo, onde além de reuniões de trabalho com a equipa local ocorreu um encontro com o director-geral daquela instituição, Calisto Bias; ao Centro Zonal Nordeste do IIAM, na cidade de Nampula, e ao Centro Zonal Noroeste, em Lichinga, quando foi realizada reunião com o diretor Carolino Martinho, juntamente com pesquisadores daquele centro de pesquisa, e ainda à estação experimental de Mutuali, em Malema. Foram também visitadas as sedes do governo das províncias de Nampula e Niassa, onde a equipa foi recebida pelos directores provinciais de agricultura, Pedro Dzucula e Eusébio Maurício Tumuitikile.

Participaram da missão pela Embrapa Solos os pesquisadores: Amaury de Carvalho Filho, José Francisco Lumbreras e Paulo Emílio Ferreira da Motta; pela Embrapa Monitoramento por Satélite o pesquisador Sérgio Gomes Tôsto, e pelo Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) os pesquisadores Moisés F. Vilanculos e Jacinto M. Mafalacusser.

Vale destacar o apoio de Levi Moura Barros e José Luiz Bellini Leite, representantes da Embrapa em Moçambique.

Bonanza argentina “esconde modelo con pies de barro”


NUEVA YORK (Reuters). Una década marcada por altos precios internacionales de las materias primas, por una explosiva alza de la demanda en su vecino Brasil y por un elevado gasto público han ayudado a Argentina, el tercer exportador mundial de soja, a convertirse en una de las economías latinoamericanas de mayor crecimiento.

La presidenta argentina Cristina Kirchner, junto a Amado Boudou, su ministro de Economía y vicepresidente electo, partidarios de un mayor control financiero. (AFP)

Sin embargo, parte del estímulo fiscal del Gobierno se apoya en polémicos impuestos a las exportaciones agrícolas, lo que hace al país vulnerable a una caída en los precios de las materias primas.

A esto se suma que no parece haber un Plan B, según coinciden distintos economistas.

“Argentina sigue dependiendo casi completamente del estado de la economía mundial. Los altos precios de las materias primas siguen siendo el ancla de la estabilidad en este país”, dijo Alberto Bernal, director de investigación en la consultora BullTick Capital Markets, con sede en Miami.

Los problemas de Argentina no son nuevos, pero se han vuelto más preocupantes conforme la presidenta Cristina Fernández, reelegida hace solo 10 días con el 54 por ciento de los votos, corre los límites del modelo económico.

La inflación es uno de los principales dolores de cabeza.

Según cifras oficiales ronda el 9 por ciento anual, pero los datos privados hablan de una escalada en torno al 20 por ciento.

Esto quita competitividad a la moneda local e inquieta a los inversores.

Estos inversores, tanto locales como extranjeros que aún no olvidan la histórica cesación de pagos que declaró el país en el 2002, ven con recelo los intentos de Fernández por culpar a los “especuladores” por la presión sobre el peso.

En el encuentro del G-20 de esta semana, la mandataria denunció un “tipo de anarco-capitalismo en el cual nadie controla nada” y llamó a los líderes mundiales a endurecer la regulación sobre los mercados financieros.

Los economistas argentinos estiman que los inversores han retirado unos 10.000 millones de dólares del país en los últimos tres meses.

El Gobierno dispuso que todas las personas y empresas que quieran comprar dólares presenten una autorización de las autoridades impositivas.

La medida fue considerada por los analistas como un arreglo cortoplacista a la crónica fuga de capitales que ha estado golpeando a la moneda argentina.


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